05 novembro 2010

O que há em comum entre Lady Gaga e Johann Sebastian Bach?

Este é o primeiro de uma série de posts abordando o processo criativo na música popular ocidental. E já começo com uma pergunta: o que há em comum entre Lady Gaga e Johann Sebastian Bach? Seria aquela introdução em "Bad Romance"? É bem verdade que se trata das primeiras notas da Fuga em Si menor, do Primeiro Volume de O Cravo Bem Temperado, de Bach, mas... não é bem por aí que eu pretendo seguir.



Bach viveu de 1685 a 1750. Seu legado é impressionante, tanto pela qualidade quanto pela quantidade, mas ele nos deixou algo particularmente precioso: o Cravo Bem Temperado. Seus 48 prelúdios e fugas foram decisivos para que o Sistema Tonal se estabelecesse de vez na Música Ocidental. Eis, então, a resposta à minha pergunta: o que une Bach, não só a Lady Gaga, mas a praticamente todo músico popular de nossos dias, é o Sistema Tonal.

E o que vem a ser o Sistema Tonal? Simples: toda vez que falamos em tonalidade (Dó Maior, Ré menor, Si menor, etc.), estamos nos referindo ao Sistema Tonal. A música popular é toda ele tonal (ou modal, ou uma mistura dos dois). De Elvis Presley a Lady Gaga, todos usam notas e acordes de alguma das 48 tonalidades possíveis. E a música erudita? Bem, essa continuou fiel ao Tonalismo por um bom tempo, atingindo o seu auge com Beethoven, Schubert e Brahms. Depois deles, no entanto, as exigências artísticas fizeram com que os novos compositores acabassem por desfigurar mais e mais o Sistema Tonal. Com Wagner e Debussy, por exemplo, já não se pode mais dizer com certeza a que tonalidade pertencem determinadas peças. No início do século 20, Schoenberg resolveu jogar uma pá de cal sobre o que restava do velho Sistema, criando o Dodecafonismo. Muitos o seguiram nesta nova tendência, que acabou desembocando em propostas ainda mais radicais, como o Microtonalismo e a Música Concreta. Mas houve quem propusesse, também, uma espécie de retorno ao sistema tradicional, por meio do Politonalismo e do Neo-Classicismo. A música popular, no entanto, ignorou todos esses “ismos”. Continuou atrelada aos mesmos conceitos do século 19, ou seja, aos acordes consonantes ou dissonantes, às escalas diatônicas, etc. É assim que nos encontramos hoje em dia, e é assim que ficaremos por muitos e muitos anos ainda.

Terminarei este post com um exemplo bastante simbólico de tudo o que disse acima: “Bad Romance”, com Lady Gaga. Ela começa e termina com uma pequena citação dos primeiros compassos da Fuga em Si menor, do Primeiro Volume de O Cravo Bem Temperado, de Bach:



Agora, a tal fuga, completa, executada com o Musanim:



Mais uma vez, a mesma fuga (com o prelúdio que a antecede), desta vez tocada por Glenn Gould (a fuga começa na marca dos 2:15):