Antes de prosseguir com o artigo sobre o novo CD de Laranja Mecânica, vou usar o trabalho de um fã para demonstrar a genialidade do ídolo. O fã é Kenneth Elhardt. O ídolo é Wendy Carlos. Elhardt preparou esta incrível homenagem, arranjando trechos de composições de J.S.Bach no mesmo estilo que consagrou Carlos, usando um sintetizador analógico Alesis Andromeda. Parabenizo-o, inclusive, pelo bom gosto, ao incluir em sua demonstração um trecho do segundo movimento do Concerto para 2 Violinos, um de meus preferidos.
A seguir, o segundo artigo desta série:
Uma retrospectiva de Laranja Mecânica
Embora a Warner Brothers houvesse lançado o seu álbum com a trilha sonora logo após o lançamento do filme Laranja Mecânica, de Kubrick, Rachel Elkind e eu não ficamos completamente satisfeitas. As fitas usadas na gravação eram as mesmas usadas na trilha do filme, e, portanto, havia cerca de duas etapas de processamento entre elas e as fitas master originais. Assim, eram versões com perdas de qualidade, causadas pela compressão e pela equalização feitas para que houvesse uma boa sonoridade em mono no sistema ótico Academy (pelo menos, nós fomos as primeiras a utilizar o sistema Dolby num filme!).
Laranja Mecânica aproveitou somente um pedaço de meu Timesteps. Por isso, o álbum continha somente esta amostra. O Scherzo da Nona Sinfonia de Beethoven foi encurtado e processado para a cena da tentativa de suicídio, o que eliminou boa parte do trecho que nós não havíamos conseguido terminar. Algumas das peças menores que havíamos feito para o filme foram deixadas de fora no último instante. Ficamos muito frustradas porque elas estavam entre as melhores coisas que havíamos feito para o projeto. Esse material deveria ter sido incluído no álbum da Warner Brothers, mas não havia mais espaço para incluí-lo naquele LP devido à inclusão de diversos outros trechos de música usados no filme.
Felizmente, nós pudemos lançar nosso próprio álbum com a trilha sonora completa apenas três meses depois da versão “oficial” ter vindo a público. Procuramos arrumar nossa música de uma maneira que se tivesse a melhor idéia possível de tudo que havíamos feito para Kubrick. Nós incluímos Timesteps inteira, e eu trabalhei numa espirituosa versão para sintetizador de La Gazza Ladra, de Rossini.
Por falta de espaço, deixamos de incluir diversos trechos, mas nos resignamos, convencidas de que não tivemos alternativa, tendo em vista as limitações de um LP. Por outro lado, esse LP continha a maior parte da música que havíamos feito para o filme, e tinha uma qualidade sonora bastante razoável para os padrões de então. Com a nova edição de luxo remasterizada de agora, aquelas faixas que faltavam puderam ser incluídas. Ao mesmo tempo, nós nunca nos simpatizamos muito com a capa do LP, ainda que fosse inteligente e bem executada.
Mas a hora de retornarmos às fitas master finalmente chegou. E também de organizarmos esta que é a primeira versão em CD de toda a nossa música para o filme, e até mesmo de pensarmos numa nova capa. Esta acabou contendo algumas citações sutis da capa de Tales of Heaven & Hell, já que as raízes desse álbum podem ser parcialmente encontradas na música deste filme. A arte da capa que eu desenhei para Tales é um jogo visual de palavras em cima do poster de Laranja Mecânica. A capa do CD deste filme combina reverência à arte daquele poster original com o mesmo em relação à decolagem de Tales of Heaven & Hell. Existe algo que é agradavelmente recursivo em tudo isso...
Eu estou particularmente extasiada por ter conseguido gravar a versão integral de Timesteps com o máximo da qualidade digital disponível nos dias de hoje. E o resto da trilha sonora está, eu penso, entre as melhores coisas que eu fiz com Rachel no início dos anos 70. É algo que merece ao menos a chance de ser ouvido novamente, e ouvido da melhor forma possível. Eu estou agradecida à ESD por ter aderido a esta iniciativa, e por tudo que está fazendo a respeito. E, como ficou subentendido acima, nós também incluímos duas faixas bônus: Biblical Daydreams e Orange Minuet, que nunca haviam sido disponibilizadas anteriormente.
Eu sempre fico impressionada ao pensar em quanta música nós fomos capazes de produzir com os tão precários recursos daquela época. Eu não gostaria nem um pouco se tivesse que passar novamente por aquelas limitações frustrantes. Muita arte decente costuma surgir a despeito de enormes dificuldades. Eu prefiro pensar que o nosso caso é um exemplo disso. Uma vez que o valor de qualquer música, no final das contas, é maior ou menor dependendo da composição e da performance, eu não penso que os obstáculos que o equipamento nos impôs devam ser levados em consideração quando vocês ouvirem este CD.
Apesar de tudo, nós realmente ainda temos um longo caminho a percorrer. Você não precisa fazer nada a não ser assistir. Um brinde à próxima geração da arte em midias eletrônicas e digitais, que podem ser erigidas sobre fundações muito mais sólidas do que as existentes em 1971. Um brinde ao futuro de nossa ainda jovem mídia!
Wendy Carlos, New York City, 1998