Meus amigos, começo este post falando da entrevista que Maurício Manieri deu para o Jô Soares, em seu programa de quarta-feira passada. “Como assim, Jô Soares e Maurício Manieri?!” Calma que eu já chego lá.
O Manieri (acho que poucos sabem) não é só cantor e compositor – digo isso principalmente aos que só se lembram dele por sua participação no reality show “A Fazenda”. Ele é bem mais do que isso. Uma rápida consulta na Wikipedia nos revela um músico talentoso, com boa formação pianística, e que já foi inclusive tecladista de importantes bandas e artistas nacionais e internacionais. Mas voltemos à tal entrevista. Lá pelas tantas, Manieri comentava o “cagaço” que tem de cemitérios, quando se lembrou da viagem que ele e sua mulher fizeram a Paris, onde visitou o Pére-Lachaise, maior cemitério daquela cidade. Disse ao Jô que tem pavor de lugares como aquele, mas abriu uma exceção porque queria visitar o túmulo de Chopin. Não há dúvidas de que Manieri gosta realmente de Chopin: além de ouvir suas obras, também as toca. E foi aí que eu me surpreendi: ele podia ter tocado qualquer coisa simples do grande mestre polonês (um prelúdio, por exemplo), mas optou por um trecho do Estudo Opus 10 no.12 - o famoso “Estudo Revolucionário”. E é aí que eu chego a Roger Williams, porque toda vez que ouço esse Estudo eu me lembro do momento em que o ouvi pela primeira vez. Eu ainda era criança, mas me lembro perfeitamente de quando meu pai chegou em casa com um álbum desse pianista e o colocou no toca-discos. O álbum era o “Love Theme from GodFather” (Love Theme from "The Godfather" (Kapp KS3665, 1972)), e a faixa que mais me impressionou foi exatamente a em que ele toca uma versão do tal Estudo de Chopin.
Aí, pensei: “por que não falar sobre isso em meu próximo post?” Para começar, então, fiz uma rápida pesquisa. A primeira coisa que descobri sobre Roger Williams foi que ele tem um site oficial – e que está vivo. “Que bom”, pensei. Está com 86 anos (como o tempo passa!), mas continua dando os seus “concertos” (ele tem até a sua própria orquestra, que o acompanha em todos os shows).
Mas eis que vejo a seguinte mensagem num dos cantos de sua página oficial: “Clck Here to Read a SPECIAL NOTE FROM ROGER WILLIAMS”. Uma nota especial? O que seria? Nessa nota (datada de março deste ano), Williams revela que está com câncer no pâncreas. O prognóstico não é nada animador. Roger, no entanto, diz que não se abateu, que está decidido a lutar contra a doença, e que quer compartilhar essa luta com o seu público, que é quem, em sua opinião, permitiu que ele tivesse vivido até hoje fazendo o que mais gosta, ou seja, tocando piano. Além disso, diz que não pretende cancelar os shows já programados (incluindo o comemorativo ao seu 87º aniversário, em 1 de outubro). Paralelamente, fará um tratamento quimioterápico, numa tentativa de reduzir o tumor até que este possa ser retirado cirurgicamente. Sorte para ele! (coloquei uma tradução de sua nota no final deste post)
Roger Williams talvez seja mais conhecido entre nós, brasileiros, (e principalmente entre os mais jovens) por uma música apenas: o tema do filme “Em Algum Lugar do Passado” (“Somewhere in Time”). A música é de John Barry. Mas é Williams quem a toca – eu coloco essa informação em destaque porque é assim que ela aparece nos créditos do filme. O vídeo abaixo contem a gravação “oficial”, ou seja, a que foi utilizada no filme e, portanto, inserida no álbum de sua trilha sonora:
Já no vídeo abaixo, o vemos numa apresentação ao vivo no Crystal Cathedral, em outubro de 2009. Fazia só três dias que ele tinha completado 85 anos de idade. Aqui, ele toca duas músicas interligadas: “The Rose” e, mais uma vez, “Somewhere in Time”:
Até 2004, Roger Williams já havia lançado 116 álbuns. Uma carreira e tanto, sem dúvida. Praticamente não há tema de filme romântico que ele não tenha gravado. Citarei apenas um: “Memories”, do filme “The Way We Were” (O Nosso Amor de Ontem), estrelado por Robert Redford e Barbra Streisand. A sua versão para essa belíssima melodia costumava tocar muito nas rádios FM daquela época, de tal modo que eu já a conhecia (e admirava) quando esse filme foi exibido na televisão, em 1982:
Um tema mais antigo ainda: Three Coins in the Fountain:
Infelizmente, não achei uma única gravação de sua interpretação do Estudo Revolucionário de Chopin. Ainda tenho o vinil, mas seria necessário digitalizá-lo e disponibilizá-lo no YouTube – quem sabe um dia eu não o faça? Mas tem essa interpretação de Valentina Lisitsa:
De qualquer forma, uma boa amostra do seu talento, em minha opinião, está aqui, no álbum The Solid Gold Steinway:
E nesse Claire de Lune, de Debussy:
Há, também, esta pequena amostra de Zorba, o Grego:
(amazon.com)
Para terminar, eis uma tradução de sua nota:
Quem lhes fala aqui é Roger Williams. Podem me chamar de Rog. Por mais de 50 anos, amigos como você me deram a vida com a qual eu sempre sonhei. Permitiram que eu fizesse o que eu sei fazer melhor – tocar a música do meu coração. E também compraram meus discos e CDs, e foram aos meus concertos. Talvez nem tenha sido você, mas seus pais ou avós. Mesmo assim, agradeço a todos, do fundo do meu coração.
Já que devo a minha carreira a vocês, é com vocês que eu sempre tento ser aberto e franco. É por isso que decidi compartilhar com vocês as notícias que eu acabei de receber. Estou com câncer – câncer pancreático. E isso, como eles dizem, “não é nada bom”.
Os médicos descobriram um tumor maligno no meu pâncreas. Não dá para removê-lo por causa do seu tamanho. Por isso, comecei hoje mesmo uma quimioterapia.
E o que isso tudo significa? Significa que estou em mais uma luta – a luta pela minha vida. E de luta eu entendo: este velho campeão de boxe da Marinha está indo para o tudo ou nada. Esperem por mim!
Sei que há um bocado de gente por aí travando a mesma batalha – ou que tem algum ente querido ou amigo ou vizinho na mesma situação. Estamos todos juntos nessa. Afinal, devemos lutar ou nos deitarmos à espera da morte?
Tenho um concerto marcado para este domingo em Sun City, em Palm Desert. Acreditem: estarei lá com todos os meus grandes músicos. Se este for o meu último concerto, prometo que ao menos será grande! Além disso, não vou cancelar nenhum dos meus futuros concertos, incluindo o “Vegas, the Rocky Mountain PBS Special”, o “Piano Marathon”, e um concerto extraordinário para o meu 87º aniversário no “ISU”, da Marinha. Depois desse concerto no domingo, é seguir em frente, e continuar a quimioterapia com os melhores médicos deste mundo até que o tumor esteja pequeno o suficiente para ser extirpado.
A vida certamente tem seus altos e baixos, e, francamente, às vezes a gente é pego completamente desprevenido. Mas já estou me recuperando. Espero vê-los no meu próximo concerto. Venha aos bastidores para um grande abraço.