18 junho 2009

O Plágio e a Criatividade (Parte 2)






Esta é a segunda parte da série sobre Plágio e Criatividade.

No artigo anterior, vimos que o Creaky Boards havia se retratado da acusação de plágio que fez ao Coldplay, dizendo que ambos haviam se inspirado na trilha sonora do video-game The Legend of Zelda. Achei melhor pesquisar um pouco e trazer para este artigo um dos vários vídeos que o YouTube nos oferece sobre o assunto. Convido-os a ouvir o tema e tentar imaginar que poderes o mesmo teria para influenciar dois músicos a comporem temas tão diferentes:



E aí, o que acham? Parecido? Eu não achei nem um pouco...

Mas, voltemos ao que interessa. Falemos de uma banda nacional, o NX Zero, que está passando pelo mesmo perrengue do Coldplay. Seria “Daqui pra frente” uma cópia de “MakeDamnSure”, da banda norte-americana Taking Back Sunday?



E agora, comparem Razões e Emoções, também do NX Zero, com a canção Radio, do Alkaline Trio:



Todos esses vídeos são uma pequeníssima parte do que há por aí sobre o assunto, mas eu só estou escolhendo alguns para que possamos preparar nossos espíritos e embasar nossas opiniões para o que virá a seguir.

CASO JORGE BEN JOR x ROD STEWART

Antes, mais um casinho. Dessa vez, ao contrário do anterior, em que artistas nacionais são processados por artistas estrangeiros, este caso é o oposto. Trata-se de um artista nacional processando uma celebridade internacional. Vejam só este vídeo da Globo. Ele foi feito para uma edição do Fantástico de 1979, na época em que o escândalo estourou. Dignas de nota são as aparições de Nelson Motta, Edu Lobo, e, é claro, de Jorge Ben Jor (todos bem mais jovens, quando este último, inclusive, se chamava simplesmente Jorge Ben). Observe a polêmica em torno do assunto, e a história que Edu Lobo conta sobre as músicas que Miles Davis roubou de Hermeto Pascoal. Tem uma hora em que o Jorge Ben fala “Bom, a coincidência musical pode acontecer, ... mas oito compassos já não é mais coincidência!”. A reportagem é tão minuciosa que foi buscar apoio até mesmo no grande maestro brasileiro Radamés Gnatalli. Ele foi enfático: “as melodias são essencialmente iguais”. Vejam o vídeo:



Trata-se de um plágio clássico. Os temas são tão iguais que eu só posso crer que Stewart tenha se deixado trair pela memória auditiva (acho que Gnatalli também achou o mesmo...). Quero dizer com isso que ele não deve ter se dado conta de que, em algum momento, seja num saguão de aeroporto, seja no rádio do seu carro, ouviu a música de Ben Jor. Dado o sucesso que ela teve no Brasil, é bem provável que tenha atravessado o Atlântico, chegado aos seus ouvidos e se alojado em seu subconsciente. Acredito mais nessa hipótese do que num roubo descarado, porque não é concebível que um artista consagrado como ele, e que tenha um mínimo de inteligência, coloque em risco a sua credibilidade ao copiar um riff sem tentar mudar ao menos uma notinha, uma colcheia que seja.

Está claro, portanto, que eu não acredito em má-fé da parte de Stewart. Isso, no entanto, não o livrou de minha antipatia, tendo em vista a forma com que deu uma volta em todo mundo com aquela história de doar à Unicef o valor que ele deveria pagar a Ben Jor. Francamente, se não era para este dinheiro vir para o bolso de quem o merecia, só porque não necessitava tanto dele assim, que viesse, ao menos, para o Brasil, onde o que não falta é instituição de caridade séria e necessitada de recursos.

MINHA OPINIÃO:

O tema de Viva La Vida é, sim, muito parecido com o de If I Could Fly. Mas, afinal, o que isto realmente significa? Para começar, o trecho idêntico em ambas as músicas é grande o suficiente para nos chamar a atenção, mas não o suficiente para que se possa dizer que pertença a “fulano” ou a “beltrano”. Quem já estudou Fraseologia, em Teoria Musical, logo identifica, em ambos os temas, duas partes: uma pergunta (frase antecedente) e uma resposta (frase consequente). A pergunta, que é a primeira parte do tema, é quase idêntica em ambas as músicas. Já as respostas começam iguais mas, como já disse no artigo anterior, seguem caminhos diferentes. Ou seja, as respostas são diferentes. Em Música, não existe uma única resposta para cada pergunta (há inúmeras possibilidades de frases consequentes para cada frase antecedente), daí que não faz sentido privar um compositor de escolher diferentes respostas para uma pergunta só porque ela já foi utilizada antes por outro compositor (abaixo, trecho extraído de um trabalho sobre Fraseologia).

Fraseologia

Que me desculpe, talvez, a maioria de vocês, mas condenar o Coldplay por violação de direitos autorais me causa um certo mal-estar. Me cheira a cerceamento de criatividade. E não importa se o plágio de que estão sendo acusados tenha sido consciente ou inconsciente. Ora, quer dizer, então, que ninguém, nunca mais, poderá compor uma melodia que comece por aquelas notas e que tenha os mesmos acordes? Do ponto-de-vista artístico, não vejo como condenar alguém por ter deliberadamente pêgo uma melodia e tentado melhorá-la ou adaptá-la a um outro contexto. E olha que nem é isso o que deve ter acontecido com o Coldplay, porque é de se esperar que haja, em todos os que tomam por base uma melodia alheia para compor uma nova peça, uma tendência instintiva de tentar mudá-la ao menos o suficiente para que não desperte suspeitas.

No mundo da Música Erudita, o conceito de plágio é muito mais artístico. Trata-se de roubar uma idéia, e não propriamente as notas de uma melodia. Imagine que Mozart, Bach ou Beethoven tenham dado de cara, algum dia, com alguma melodia composta por algum compositor obscuro, e que essa melodia lhe desencadeasse o seguinte pensamento: “cara, se eu fosse o compositor dessa melodia, teria usado essa nota no lugar dessa, teria acrescentado uma bordadura aqui e esticado mais aquela nota ali”. A melodia modificada lembraria muito a original, é claro, mas o importante é que ficaria MUITO MELHOR. Agora, do jeito que as coisas são colocadas, o fato de alguém ter composto uma frase musical parece criar em torno dela como que um campo minado do qual os outros compositores devem se afastar ao máximo para não correrem o risco de ir pelos ares. É um absurdo pensar que muitas melodias maravilhosas, à espera de serem compostas, jamais o serão pelo fato de alguém já ter composto algo começando pelas mesmas notas. Bom, isso é o que tem ocorrido em quase todos esses processos de plágio de que temos ouvido falar. Pois saibam que Mozart, Bach e Beethoven não dariam a mínima para isso, porque, para eles, não faria o menor sentido, artisticamente falando.

Bom, é lógico que eles não copiavam as obras de outros compositores. Mas eles se sentiam, não digo somente à vontade, mas na obrigação de melhorar qualquer coisa que eles achassem que valesse a pena. Por que não? Por que alguém que tente explorar um atalho numa floresta se torna dono dela e de seus arredores, podendo fazer a porcaria que quiser sem que ninguém, depois, possa explorar o mesmo atalho e fazer nele algo um pouco diferente, melhor e mais bonito?

Na Música Erudita, chega a surpreender a quantidade de idéias musicais legítimas do ponto-de-vista artístico e que seriam consideradas violações de direitos autorais, a prevalecer essa visão mais estreita. Só para ilustrar (e consolar os que se sentem perseguidos), cito aqui a inevitável comparação que sempre se faz entre um dos temas da Nona Sinfonia de Franz Schubert com o famosíssimo tema da Nona Sinfonia de Beethoven. Detalhe: Schubert era contemporâneo de Beethoven, e o admirava como a um Deus. Agora, vejam, esse trecho extraído do blog Symphony Salom:

(…)The Exposition includes three Codettas, of which only the second one is of exceptional note. The Development opens with an apparently new melodic phrase, but it is a derivative of this second Codetta; the arresting feature of this melody is its close resemblance to the principal Theme of the Finale of Beethoven's Ninth Symphony: reverse the order of the first three tones, and the parallelism is complete (compare Beethoven's third Episode of Beethoven's Finale). Surely Schubert stood in no need of "borrowing" melodic ideas from anyone, nor was he ever known to do so. If this coincidence has any special meaning, it serves only to indicate how deeply Beethoven's musical spirit impressed that of Schubert.(…)
Clique aqui se quiser ler o artigo completo.

Tradução:

A Exposição inclui três Codettas, das quais somente a segunda é digna de nota. O Desenvolvimento começa apresentando uma frase melódica aparentemente inédita, mas que, na verdade, deriva desta segunda Codetta; o que nos chama a atenção nesta melodia é a sua forte semelhança com o tema principal do Finale da Nona Sinfonia de Beethoven: de fato, basta invertermos a ordem das três primeiras notas para que tenhamos um paralelismo completo (comparar com o terceiro Episódio do Finale da sinfonia de Beethoven). Schubert certamente não precisava tomar idéias melódicas emprestadas de ninguém, nem se tem notícia de que o tenha feito. Se esta coincidência tiver algum significado especial, talvez nos sirva apenas para indicar o quão profundamente Schubert se deixou impressionar pelo espírito musical de Beethoven.

Este vídeo contem o quarto movimento da Nona Sinfonia de Schubert. Por favor, avancem o vídeo até a marca dos 03:20, mais ou menos (desculpem-me por não tê-lo editado). A frase melódica mencionada acima começa exatamente aos 03:26 e que se repete em 03:39:



Quanto ao tema da Nona de Beethoven, é tão famoso que nem vou colocar aqui. Espero que tenham se lembrado dele ao ouvirem o tema de Schubert (se não se lembraram, é sinal de que Schubert conseguiu disfarçar bem, não é mesmo?...).

Em Música Erudita, existe um negócio chamado “Variação” que, no universo da Música Popular, poderia ser confundido muitas vezes com plágio. Beethoven compôs as Variações Diabelli, sobre o tema de uma valsa de Anton Diabelli; Bach compôs as Variações Goldberg, além da Oferenda Musical (sobre um tema do rei da Prússia, Frederico II), e assim vai. O que Schubert fez, então, poderia ser considerado uma variação do tema de Beethoven, mas se este tivesse sido o seu objetivo, deveria ter sido mais explícito, escrevendo em algum lugar algo como "variação sobre um tema de Beethoven". Deveria, em vez de mudar as notas da forma como o fez, ter mudado somente o ritmo. Mas ele fez o contrário: o ritmo é o mesmo, as notas é que mudam de posição, e ainda assim somente no início do tema. Trata-se de um outro tipo de variação, cujo maior exemplo está na Arte da Fuga, de Bach (nela, a propósito, há ambos os tipos de variação – de notas e de ritmo).

Mas, voltando à vaca fria... O problema é que carecemos de critérios objetivos, não tanto para coibir os plágios, mas para proteger os artistas de cometê-los inconscientemente ou de serem vítimas de acusações infundadas. Eu até queria já começar a abordar este assunto, além de citar outros casos nacionais, como os de Roberto Carlos, Tom Jobim e Fagner, mas o post já está longo demais. Fica para a próxima, ok?

DEMAIS ARTIGOS DESTA SÉRIE: 1 - 3 - 4 - 5 - 6





Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Eu,como espiritualista,acredito no plágio cósmico.Além da influência do subconsciente na hora da criação.