07 julho 2011
Edu Lobo: “Músicos estupidamente demitidos por questões estúpidas”
O Teatro Oi Casa Grande, no Rio de Janeiro, foi palco, ontem à noite, de um espetáculo memorável em benefício dos 33 músicos demitidos da OSB (eram 36, mas 3 acabaram sendo readmitidos). Para quem está pegando o bonde agora, vale a pena dar uma lida no texto que o Teatro Oi Casa Grande disponibilizou em seu site – do qual destaco o seguinte trecho:
(...) A luta da classe começou – com a solidariedade da maioria absoluta dos músicos do Rio de Janeiro. Rapidamente, juntaram-se ao protesto não apenas músicos de todo o país, mas também sindicatos e organizações pelo mundo afora, protestando contra o arbítrio e as ameaças de demissão caso os músicos não realizassem as provas.
A todos esses músicos se juntaram não apenas jornalistas e críticos internacionais e brasileiros – como Alain Lompech, Norman Lebrecht, Luiz Paulo Horta – como alguns dos maiores nomes da música brasileira – intérpretes como Cristina Ortiz, Nelson Freire e Antonio Meneses; regentes como Isaac Karabtchevsky, Roberto Tibiriçá, Alceo Bocchino, Osvaldo Colarusso e Ricardo Rocha; compositores como Marlos Nobre e Edino Krieger, Cristina Ortiz, Roberto Tibiriçá, Nelson Freire e Ana Botafogo foram alguns dos intérpretes que desmarcaram seus compromissos agendados com a OSB.
Já existe um vídeo do evento de ontem:
Uma explicação para o título desse post: ele foi extraído do breve discurso com que Edu Lobo iniciou a sua apresentação. Acho que todos se surpreenderam um pouco (eu, inclusive) com a relativa discrição com que ele se manifestou. De todo modo, seu gesto foi lindo, e vale mais do que mil discursos.
A orquestra foi composta pelos 33 ex-integrantes da OSB e por músicos de outras orquestras do Rio. A regência ficou a cargo de Carlos Prazeres. O solista é Carlos Malta. Nesta reportagem do IG há uma série de fotos desse momento histórico. É confortante visualizar nelas a platéia lotada, e a expressão de satisfação dos músicos – em especial de Edu Lobo. Espero sinceramente que sua iniciativa venha a ter a devida repercussão na mídia. De qualquer forma, essa história, como bem diz um dos comentários que recebi, está longe de terminar. Vejamos o que ocorrerá daqui a algumas semanas, quando a “nova” OSB iniciar sua temporada com as "ausências notáveis" de Nelson Freire e de Cristina Ortiz. Enquanto isso, o cineasta Silvio Tendler vem acompanhando toda essa celeuma desde o início, recolhendo material para um futuro documentário sobre a crise na OSB. É mais uma garantia de que essa história não cairá tão fácil no esquecimento.
Bom, enquanto não encontro mais vídeos do show de ontem, vejam ao menos este, do ensaio:
Para aqueles que quiserem acompanhar os acontecimentos um pouco mais de perto, indico, VEEMENTEMENTE, a leitura do Blog da SOS OSB.
Finalizo esse meu post com a transcrição da Carta Aberta de Marlos Nobre a Roberto Minczuk:
CARTA ABERTA PARA ROBERTO MINCZUK
Roberto, estou angustiado ao escrever esta carta, ao ver um regente como você envolvido nesta situação constrangedora e triste.
Você, Roberto, não teve ninguém perto de você para lhe abrir os olhos ante a imensa tolice que foi toda esta situação criada na Orquestra Sinfônica Brasileira?
Eu lhe escrevo como um Maestro e compositor que conheceu um Roberto ainda nos seus 10 a 12 anos de idade, participando do Concurso de Jovens Instrumentista que organizei em 1974 nos “Concertos para a Juventude” na Rede Globo e Radio MEC. Nele, você se destacou com jovem talento, promissor o bastante para que eu lhe desse de presente uma trompa novinha em folha (a sua, na época era impraticável). Lembro anos depois, no seu concerto de estréia como regente da OSB no Rio, ter sido procurado pelo seu velho e honrado pai, com lágrimas nos olhos, me dizendo que aquela trompa estava guardada em um invólucro de vidro, emoldurando a sala de estar da sua casa paterna. Foi extremamente comovente então, ver seu pai visivelmente feliz vendo sua estréia como regente titular da grande e prestigiosa Orquestra Sinfônica Brasileira. Entre outras obras você então dirigiu a Sinfonia “Heróica” de Beethoven. E a nossa OSB respondeu à altura aos seus gestos, dando na ocasião uma intepretação memorável da obra. Estes mesmos músicos que agora sofrem com a implacável perseguição e ira absolutamente incompreensíveis de você, como diretor da OSB.
Pois bem, Roberto, assim como seu pai, um velho e honrado músico, eu aprendi que não é possível fazer música senão com o espírito leve, aberto, ligado apenas no dever maior de intérprete que é o de revelar a grande mensagem de amor, compreensão universal e respeito mútuo que emanam de toda grande obra musical. Não é possível aos músicos renderem o máximo de suas qualidades, frente à arrogância, à falta de respeito, à imposição, à desumanidade, à inépcia humana de quem está a lhes impor e não a lhes dar condições de criar a maravilhosa mensagem da Música.
"Roberto, aquele menino a quem dei uma trompa hoje é motivo da maior decepção que jamais tive em minha vida."
Roberto, aquele menino a quem dei uma trompa hoje é motivo da maior decepção que jamais tive em minha vida. Uma decepção profunda e irreversível .Você, e somente você, é o responsável por uma situação inédita na música sinfônica do Brasil, ao submeter uma orquestra inteira a um vexame público demitindo com requintes de crueldade e desrespeito pelo passado deles, mais da metade de seus componentes através de pretextos os mais inaceitáveis possíveis. Nem o pretexto de maior qualidade musical seriam justificação para um tal elevado grau de agressividade humana, artística e pessoal de que vitimas nossos músicos da OSB. Você não respeita idade, serviços prestados, idealismo nem humanidade. Todos estes valores essenciais nas relações humanas e artísticas vão para o ar em suas mãos, neste momento triste da história da música no Brasil.
A destruição dos ideais que sempre foram a grande força da Orquestra Sinfônica Brasileira, Roberto, você não conseguirá. Aliás vejo com tristeza que você está conseguindo se destruir de uma maneira tão perfeita, tão definitiva, tão veemente como jamais o maior inimigo seu seria capaz, nem teria tal grau de imaginação destrutiva.
"Como compositor não desejo que nenhuma obra minha seja jamais executada por este arremedo de Orquestra Sinfônica"
Sua auto-destruição me choca pois me parece que você, Roberto, entrou em tal processo negativo sem volta nem retorno, pois sequer se dá conta que, não só no Brasil, mas em qualquer país do mundo onde você entrar no palco, para dirigir uma orquestra, terá como resposta o desprezo e a desaprovação do público e do mundo musical.
Como compositor não desejo que nenhuma obra minha seja jamais executada por este arremedo de Orquestra Sinfônica (que me recuso a chamar de OSB pois esta foi destruída irresponsavelmente por você), dirigida por você.
Não autorizo nenhuma obra minha tocada senão pela verdadeira ORQUESTRA SINFÔNICA BRASILEIRA que aprendemos a amar, a reverenciar e a proteger, de desmandos de eventuais passageiros da desesperança, da agressão moral e do desrespeito.
MARLOS NOBRE
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