02 dezembro 2010

Como Viver de Música - 1




É possível ganhar dinheiro como compositor independente?

Meus amigos, é possível, sim. Hoje em dia, é perfeitamente possível pagar as contas do mês trabalhando exclusivamente com a venda de suas próprias músicas. E digo isso com certa surpresa, porque só passei a acreditar nisso depois de ler um post publicado há mais de um ano (em março de 2009) no blog do cantor e compositor Leoni. Seu artigo é irretocável e merece ser lido por todos.

Mas o que mais me chamou a atenção em tudo que ele escreveu foi a história de um compositor americano chamado Jonathan Coulton, que decidiu abandonar o seu emprego de programador de computadores para começar “do zero” uma carreira de compositor. Inicialmente bancado pela esposa (sabe-se lá como ela reagiu a essa decisão do marido...), Coulton batalhou, ralou, e hoje, felizmente, colhe os frutos de sua tenacidade, ganhando entre 3 e 5 mil dólares por mês só com a venda de suas músicas na Internet. Continua ralando, é verdade, mas está feliz como pinto no lixo, porque trabalha com o que mais gosta de fazer, ou seja, fazendo música.

Essa história me fez lembrar de uma outra não menos encorajadora, e que, embora não tenha nada a ver com Música, tem tudo a ver com o sucesso de Coulton. Resolvi contá-la porque serve de estímulo a todos aqueles que ainda estão em dúvida sobre o que fazer para realizar os seus sonhos:

A história do shareware

Voltemos a 1982, quando os microcomputadores começavam a se popularizar mundo afora (principalmente nos Estados Unidos). Naquela época, não havia softwares gratuitos – ou seja, só se podia adquirí-los em lojas (ou no ato da compra de um computador). Era um produto rentável para as companhias desenvolvedoras (como a Microsoft, por exemplo). Mas havia um pequeno e incômodo "probleminha" - era possível copiá-los. Com isso, um bom aplicativo que se tornasse um sucesso de vendas era logo transformado, também, num recordista de cópias “piratas”.

Um dia, Jim Knopf, que na época trabalhava na IBM, sentiu necessidade de um software para gerenciar um banco de dados. Como era programador, decidiu fazê-lo ele mesmo, e o batizou de PC-File. Inicialmente, o fez para uso próprio, mas, vendo que vários de seus colegas começavam a comprar também os seus primeiros computadores, resolveu presenteá-los com uma cópia do seu programa.

Não demorou muito, o PC-File revelou-se um campeão de popularidade na empresa e, mais tarde, por toda a região de Seattle: era útil, funcionava bem, e (o mais importante) era gratuito. Knopf gostava de manter seus "clientes" atualizados com versões mais recentes de seu software, notificando-os sobre os bugs que corrigia e as melhorias que implementava. Usava o seu próprio PC-File para manter uma lista com nome e endereço de seus usuários.

Mas a lista cresceu demais, e um dia Knopf percebeu que aquela tarefa já estava começando a lhe consumir tempo e dinheiro excessivos. Além disso, muitas das pessoas para as quais ele enviava as atualizções poderiam nem estar mais usando o seu software. Teve, então, a feliz idéia de incluir na versão seguinte uma pequena mensagem, que era mostrada logo na abertura do programa. Essa mensagem encorajava o usuário:
1 - a continuar usando o seu produto;
2 - a compartilhá-lo com outras pessoas;
3 - a enviar-lhe US$ 10,00, caso quisesse continuar recebendo as novas versões.

Descobriu, por acaso, que um outro programador havia tido a mesma idéia(com um produto chamado PC-Talk), e resolveu procurá-lo. Os dois resolveram, então, juntar seus esforços. Um faria propaganda do outro, cobrando a mesma quantia por seus respectivos produtos: US$ 25,00.

Para a mulher de Knopf, não havia a menor chance de que uma simples mensagem, por mais "encorajadora" que fosse, arrancasse as pessoas de suas poltronas e as fizesse ir aos correios para lhe postar um envelope com dinheiro. Mas Knopf estava otimista. Acreditava que muitos dos seus clientes se sensibilizariam com o pedido. Esperava, inclusive, receber o suficiente para poder comprar um novo computador - algumas centenas de dólares, quem sabe? Em seu mais louco devaneio, chegou a pensar na quantia de mil dólares!

Pois o que aconteceu a seguir superou em muito as suas previsões mais otimistas. Knopf recebeu tantas respostas ao seu pedido, que os envelopes "entupiram" a sua caixa postal. Coincidiu, também, de uma revista especializada (a PC-World) ter publicado uma resenha sobre o PC-File enquanto ele e sua mulher passavam as férias no Hawaii. O resultado foi avassalador. As cartas passaram a chegar em tal quantidade, que a sua empregada as transportava diariamente para dentro de casa em grandes sacos de mercearia. Quando retornou do Hawaii, Knopf precisou saltar por cima de alguns desses sacos para conseguir chegar à porta de seu escritório.

Aquela loucura prolongou-se por um bom tempo, beneficiada, em grande parte, pelo recente "boom" do mercado de microcomputadores, que eram vendidos aos milhares. Além disso, não havia ainda concorrentes para o PC-File – os programas similares eram todos caros, cheios de bugs e, o pior, não podiam ser avaliados previamente pelos compradores.

Knopf acabou montando uma firma (a Buttonware), com a qual cristalizou o conceito de "shareware" - que, em sua versão inicial, assemelhava-se mais ao que hoje nós chamamos de "freeware" (software gratuito) - a única ou principal diferença era a inclusão de uma cláusula que garantia ao usuário o direito a atualizações frequentes mediante o pagamento de um pequeno valor.

As contribuições dos usuários continuavam a chegar. Com isso, a Buttonware ia muito bem, obrigado. Mesmo assim, Knopf decidiu permanecer em seu emprego na IBM, tentando conciliar as duas atividades – afinal, quem seria louco de abandonar um empregão daqueles? Pouco depois, no entanto, ele se demitiu. Não porque o quisesse, mas porque a sua saúde o exigia - não aguentava mais a fatigante jornada de doze horas por dia (oito na IBM e mais quatro em sua própria firma - fora os sábados e os domingos). Ademais, a receita mensal de sua empresa já superava em dez vezes o seu salário... (fonte: history of shareware).

Voltando a falar de música...

Contei essa história acima só para mostrar que, por incrível que pareça, as pessoas em geral (entre as quais eu me incluo) estão dispostas a pagar, sim, e com prazer, por aquilo que já lhes trouxe (ou está trazendo, ou trará) satisfação para algum desejo ou necessidade. E a Música é uma dessas necessidades básicas do ser humano. É claro que cada indivíduo tem as suas preferências, de modo que não há música que agrade a todos ao mesmo tempo. Eu, por exemplo, adoro a Nona Sinfonia de Beethoven, mas conheço gente que não pagaria nem um centavo para ouví-la - ainda que fosse executada pela Filarmônica de Berlim sob a regência de Herbert von Karajan. Tudo bem, faz parte do jogo. O importante é que nos acostumemos com a idéia de que, se uma música for boa, terá grandes chances de agradar a muita gente, e essa gente (ou boa parte dela) se sentirá compelida a retribuir monetariamente, o que pode ser mais que suficiente para compensar o trabalho do compositor.

Coulton, por exemplo, não é nenhum fenômeno da mídia, mas milhares de pessoas dão valor às suas músicas. Isso talvez não seja o bastante para enriquecê-lo, mas o deixará feliz, certamente - afinal, conseguirá se sustentar trabalhando no que mais gosta de fazer. Agora, é lógico que essa fórmula só passou a funcionar graças aos recentes avanços tecnológicos (leia-se: computadores mais potentes e Internet). Foi por causa deles que Coulton pôde prescindir do esquema das gravadoras – um esquema de certo modo perverso tanto para artistas como para consumidores.

Como viver de música

Durante muito tempo, as circunstâncias impediram que esse quadro se revertesse. Sem as gravadoras, não havia forma de se atingir o grande público, de forma que elas eram um mal necessário. Não são mais. Agora, felizmente, quase tudo o que um músico terá que gastar para ter um estudiozinho básico em sua própria casa será com a compra de um simples computador. Ou seja: nunca foi tão fácil ganhar dinheiro com música. Se quiser, o músico pode “ser” a sua própria banda, ou mesmo a sua própria orquestra. Pode, também, ser o seu próprio “engenheiro de som”. E, para finalizar, pode ser, também, o seu próprio distribuidor. Tudo isso (pasmem) sem gastar um centavo. Depende única e exclusivamente de duas coisas: talento e suor.

Para ser completamente independente, o músico terá que ser, também, um conhecedor minimamente razoável das técnicas de gravação. Tudo bem, porque isso me parece bem mais fácil do que aprender a compor. Mas esse é somente um dos assuntos que eu pretendo abordar nos próximos posts desta série. Por enquanto, é só.

(artigo seguinte: Como Viver de Música - 2)




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