19 novembro 2010

Wendy Carlos x YouTube e etc.

Aprecio muito o trabalho de Wendy Carlos, do qual tomei conhecimento em 1978, quando comprei seu primeiro álbum - Switched-on Bach. Até hoje o tenho em bom estado – praticamente do jeito que o adquiri. A capa, coitada, já veio um pouco poída nas beiradas, o que não estranhei muito quando vi o ano de seu lançamento: 1968! Não se tratava, portanto, de nenhuma grande novidade, mesmo assim esse álbum me pareceu revolucionário. E me parece até hoje! A ponto de ter me convertido em definitivo ao mundo de Bach e, por extensão, de todos os mestres da música erudita. Deixei-me influenciar de tal modo por Switched on Bach que houve ocasiões em que fui ao cinema só por saber que a trilha sonora do filme tinha sido produzida por Wendy. Foi assim com Laranja Mecânica e, depois, com O Iluminado. Por isso, sempre quis homenageá-la neste blog. Se não o tinha feito até hoje foi porque não me sentia suficientemente certo de que deveria fazê-lo. Por que? É o que tentarei explicar no restante deste post.

Carlos x Intuitive Music

Se vocês entrarem neste site, verão que há uma foto antiga (em preto-e-branco) de Wendy Carlos, e a seguinte mensagem:

“devido a um comportamento exageradamente protecionista e a uma ação judicial predatória da SERENDIP, LCC CORPORATION, todas as resenhas e promos relacionados com as obras de Wendy Carlos foram retiradas deste site!”

Mais abaixo, vê-se uma repetição da mesma foto. Acima e abaixo dela, há links um tanto apagados. Clicando-se no primeiro deles (o que está acima da foto), entra-se no site da Intuitive Music, onde se lê o seguinte:

Temos que reconhecer que esta é uma das coisas mais surrealistas que já nos aconteceu ao longo dos quatro anos de existência da Intuitive Music. O fato é o seguinte: entramos em contato com o site oficial de Wendy Carlos (o legendário e pioneiro da música eletrônica nos anos 60) e com a Serendipity Records, requisitando uma entrevista para ser publicada em nosso site, mas recebemos um email apócrifo nos seguintes termos:

“Fora o contratempo, gostou da peça, Sra.Lincoln?
Suas páginas a respeito de Wendy Carlos são desrespeitosas, insensíveis, imprecisas e, em pelo menos uma das referências, provavelmente caluniosas. Além do mais, você está utilizando uma fotografia protegida por copyright sem a nossa permissão, o que infringe os direitos da Serendip LLC. Faça o favor de remover este material de seu website imediatamente.”

Respondemos, então, estupefatos:

“A quem interessar possa:
1 – Posso saber a identidade de quem escreveu esta mensagem, por favor?
2 – Quem é Sra.Lincoln? Meu nome é Niles, Naomi Niles.
3 – De maneira alguma tivemos a intenção de sermos “desrespeitosas, insensíveis, imprecisos e, em pelo menos uma das referências, provavelmente caluniosas” com a pessoa de Wendy Carlos. Primeiro porque não é esta a nossa política e segundo porque nós somos grandes admiradores de seu trabalho. Poderia nos dizer, por favor, onde exatamente nós teríamos sido desrespeitosos e todos os outros adjetivos que você usou? Isso nos ajudaria muito.
4 – Poderia nos dizer, por favor, qual imagem em nosso website está protegida por copyright e que teria sido usada sem permissão? E, se for o caso, poderia nos dar uma evidência disso? Não é nossa política fazer uso de material protegido por copyright sem a devida permissão, e até onde eu sei todas as fotos de Wendy Carlos que temos usado em nosso website são imagens promocionais.”

Eis a resposta:

“Quanto a “Sra.Lincoln”, vocês não estão a par de que ela estava ao lado do 16º presidente dos EUA quando ele foi assassinado no Teatro Ford?
Vocês deveriam acrescentar a palavra “ignorante” à forma com que lidam com Wendy Carlos (a lista de vocês é um lixo completo).
A Serendip LLC possui os direitos de cópia de todas as músicas e gravações de Wendy Carlos e também das assim chamadas fotos promocionais (verifique o aviso de copyright no site wendycarlos.com). Nós não permitimos a utilização de nenhuma foto nem as fornecemos para o seu website. Você deve retirar toda e qualquer foto de Wendy Carlos de seu website.
A.Franklin
Serendip LLC”

Acerca do tratamento “desrespeitoso” a Wendy Carlos no site da Intuitive Music, vocês mesmos podem julgar. O seu álbum “Switched on Bach” está em nosso Top 10 Best para álbuns eletrônicos dos anos 60 em nossa seção de resenhas:
Vocês podem ler também os arquivos sobre o artista em nosso Guia Técnico:

Carlos x Momus:





Em 1998, Wendy Carlos já havia ganho um processo que moveu contra o artista britânico Momus pela música “Walter Carlos”. O motivo foi esta letra (a original, em inglês, está aqui):





Walter Carlos não existe mais / Ele está no Elysium
Mas imaginemos que ele esteja em nosso continuum espaço-tempo.
Walter Carlos!
Compositor transsexual internacional daquela época gloriosa,
O grande sintetizador analógico / Barroco!

Ele agora é / conhecido como Wendy
Fez uma operação de mudança de sexo
Logo após ter feito Switched on Bach Volume 1


E quando a viagem no tempo for possível,
Wendy poderá entrar num “buraco de minhoca” e voltar ao futuro para se casar com Walter
Alguns verões barrocos antes
De um casal de modelos Moog voltar no tempo

(Repetir várias vezes: Legal legal legal / No verão / Cantando tra-la-la-la-la / E será legal num outro tempo)

Infelizmente,
Einstein nos ensina
Que quando a viagem no tempo finalmente for possível,
Não haverá como se retornar a períodos anteriores ao ponto em que a viagem no tempo se tornou possível pela primeira vez!

Portanto, assim como Walter Carlos agora só é possível no passado,
Teremos que nos contentar com viagens no tempo apenas no universo da música.

Obs: “buraco de minhoca” (wormhole) é, por incrível que pareça, um termo científico, e tem a ver com o “continuum espaço-tempo” (veja na Wikipedia - Buraco de minhoca).

No processo judicial, Wendy pedia uma indenização milionária (22 milhões). Chegou-se, no entanto, a um acordo: Momus comprometeu-se a pagar apenas pelas custas judiciais e pelos honorários advocatícios (30 mil dólares), mas teria que retirar a música “Walter Carlos” de seu álbum “Little Red Songbook”.

Retirou-se, então, a música do álbum, mas... eis que ela surge na Internet!

Eu a ouvi – e não gostei. Ok, o problema pode estar no meu gosto musical, que não combina muito com o desse artista, sei lá. A letra é inventiva, bem-humorada, mas um pouco hermética (por usar termos excessivamente técnicos) e ingenuamente irresponsável (politicamente incorreta, para usar um termo mais suave). De qualquer forma, “a quem interessar possa”, há um arquivo MP3 gratuito para download no site da dilandau.com (não coloco aqui um link para esse site porque, dessa história toda, só me interessa mesmo é o fato de que não adiantou nada Momus ter obedecido à ordem de retirar a tal música de seu disco).

Mas a história não termina aí. Trinta mil dólares ainda era um valor alto demais para Momus e sua pequena gravadora, a Le Grand Magistery. Momus solucionou o problema com uma idéia bem original: se Wendy não gosta de “homenagens” daquela espécie, outros poderiam gostar - e até pagariam por elas! Dispôs-se, então, a compor uma “homenagem musical” para cada pessoa que se dispusesse a pagar mil dólares para vê-la incluída em seu próximo CD, “Stars Forever”. Acabou conseguindo 30 “patrocinadores”, cobrindo, assim, o prejuízo causado pela ação de Wendy. E mais: o trabalho ficou melhor que o original, tendo sido muito elogiado pela crítica musical inglesa!

Carlos x YouTube:

Pioneira no uso de sintetizadores em gravações de música clássica (Switched-on Bach, de 1968), colaboradora de Stanley Kubrick em filmes como Laranja Mecânica e O Iluminado, e autora da trilha sonora de filmes da Disney, como Tron e A Bela e a Fera, Wendy Carlos é uma lenda viva no meio musical. Seria natural, portanto, que encontrássemos farto material a seu respeito no que é hoje considerado o maior fenômeno da mídia nos últimos tempos - o YouTube. Mas é como eu disse: seria natural, mas não é o que ocorre.

Procure por “Wendy Carlos” no YouTube e ele te retornará uma imensa quantidade de vídeos relacionados – mas quase nenhum com a música de Carlos. Os poucos que encontrei com sua música eram referentes ao filme Laranja Mecânica, e podem nem estar mais lá no momento em que escrevo este artigo. O resto dos vídeos (ou seja, praticamente todos) são de discípulos mundo afora que, usando Moogs e outros sintetizadores, procuram imitar o estilo e a sonoridade límpida de suas interpretações modelares.

Carlos parece ter um zelo extremo no que diz respeito aos direitos autorais. Sei que não está sozinha nesta luta, mas... será que essa postura não a prejudica? Afinal, exposição é tudo para um artista. Em outras palavras: quanto mais conhecido, mais chances ele terá de viver de sua arte. Nesse sentido, o YouTube é justamente a chance que todo artista pediu a Deus. Um bom vídeo pode ter milhões de acessos – o que é uma propaganda e tanto! Talvez não o seja para artistas cujos álbuns são vendidos aos milhões, mas eu duvido que Wendy Carlos venda, hoje em dia, um décimo disso. Em todo caso, ela deve saber o que faz...

Wendy não é avessa à Internet – muito pelo contrário. Uma prova disso é a sua página pessoal – que ela mesma administra há anos, e é um verdadeiro portal, onde trata não só de música, mas de arte e ciência em geral, misturando-os em experiências fascinantes. Seu “hobby” predileto é fotografar eclipses solares – mantem, por isso, uma seção inteira às fotos que ela mesma tira desses fenômenos, o que a tem feito viajar pelos cinco continentes em busca das belíssimas imagens de sua coleção. Mas o cerne do seu trabalho ainda é a música. Era amiga de Bob Moog, com quem colaborou no desenvolvimento dos primeiros sintetizadores (e a quem dedica um longo texto), e atualmente testa os mais novos projetos da Garritan – sobre os quais também fala em detalhes.

O curioso é que, embora pareça desprezar o fenômeno YouTube, é justamente nele que se faz a melhor propaganda de seu trabalho - principalmente entre os mais jovens, que são maioria absoluta entre os usuários e jamais ouviram falar no seu nome. Há uma legião de fãs postando vídeos com suas próprias versões sintetizadas de Bach, Scarlatti, etc., tocados “a la” Carlos. São homenagens sinceras (muito competentes, por sinal) e que têm o efeito de valorizar ainda mais a obra dessa grande artista, divulgando-a, ainda que de uma forma indireta, mas soberba e, o mais importante, sem custos! Graças a esse vídeos, muitos dos que nunca ouviram falar de Wendy Carlos acabarão visitando o seu site – e até comprando os seus CDs.


Referências:
Entrevista com Momus sobre a ação movida por Carlos: http://www.freewilliamsburg.com/august_2002/momus.html
Matéria sobre como Momus salvou sua gravadora: http://www.answers.com/topic/momus-artist
Momus na Wikipedia: http://en.wikipedia.org/wiki/Momus_(musician)

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